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Fala muito: as ordens, dicas e incentivos de Tite à Seleção em tempos de silêncio nos estádios

Técnico admite se beneficiar da ausência de público para dar orientações e nega que isso possa tirar a liberdade dos jogadores

O relógio não tinha chegado ao minuto cinco da partida entre Brasil e Venezuela, na última sexta-feira, e Tite já aquecia as cordas vocais à beira do gramado do Morumbi: – Curtinho, curtinho! – ordenou, enquanto os zagueiros levavam a bola até os volantes.

Mesmo de máscara, o técnico se fazia ouvir por algumas dezenas de profissionais que estavam dentro e nos arredores do campo. Graças a microfones instalados próximos ao banco de reservas, quem assistia ao jogo pela TV também podia captar algumas das mensagens.

Técnico Tite orientando a seleção brasileira em jogo contra a Venezuela — Foto: Lucas Figueiredo / CBF

As caixas de som do estádio reproduziam em alto volume uma playlist de cantos de torcida – boa parte desconhecidos e pouco empolgantes – mas ainda assim era possível ouvir a voz aguda de Tite.

– Vai rodando, vai rodando, vai rodando – berrou aos sete minutos e em muitos outros momentos em que a Seleção trocava passes de um lado para o outro sem conseguir furar a forte marcação venezuelana.

Técnico Tite durante Brasil x Venezuela — Foto: Nelson Almeida/Reuters

Técnico Tite orientando a seleção brasileira em jogo contra a Venezuela — Foto: Lucas Figueiredo / CBF

A ausência de público nos estádios tira um tanto da alma e da razão de ser do jogo. Falta o “olé”, a vaia, o sonoro “uh” quando a bola passa rente à trave e, é claro, a explosão no momento do gol. Mas o silêncio das arquibancadas tem pelo menos permitido ao público conhecer um outro lado do futebol, que não é só jogado, mas também falado.

 

E Tite fala muito! (para usar uma expressão que ficou famosa justamente ao ser dita por ele, anos atrás).

Foram muitas. Em alguns momentos, ele parecia narrar o jogo, tentando “cantar” cada jogada. Em outros, agia como motivador ou tentava compensar a falta de torcida pedindo concentração e atenção nos detalhes.

Na véspera do jogo contra o Uruguai, que acontece nesta terça-feira, às 20h (de Brasília), no Estádio Centenário de Montevidéu, o treinador admitiu que vem tirando vantagem do silêncio ao redor.

Facilita a comunicação. Tu consegues, com alguns gestos ou com alguma palavra-chave, desencadear um processo que já vem do treinamento assimilado. Quando falo do “gatilho”, do “perde e pressiona”, o atleta já sabe. Quando a gente fala um ou outro termo específico que, para quem está ouvindo possa ser diferente, isso já está codificado, para a gente que está no dia a dia é um linguajar normal.

— Tite

Algumas expressões são, realmente, habituais para os peladeiros de plantão. “Só bola”, para aconselhar a não fazer falta ou “leva ele”, para que um jogador se movimente e arraste a marcação, são alguns exemplos.

Mas há termos mais técnicos. Numa saída de bola, no segundo tempo, Tite pediu a Thiago Silva:

– Por trás, Thiago, por trás, comanda o triângulo fechado.

Prontamente, o zagueiro recuou, ficando entre Marquinhos e Allan.

– Organiza no pé – foi outro termo do “tatiquês”, seguido por novo pedido de “roda” e “não fica no pé”.

Os gritos do treinador tinham sentido: pediam para a seleção brasileira priorizar passes, não lançamentos, e cada atleta jogar de forma ágil, mas sem acelerar o jogo desordenadamente. Era para ter paciência, mesmo com o 0 a 0 no placar, para tocar a bola de um lado para o outro até encontrar espaços. Depois de muita insistência e nem tanta inspiração, ele foi achado com toques rápidos de Richarlison, Lucas Paquetá e Everton Ribeiro, culminando no gol de Firmino.

Mas tantas orientações não poderiam gerar um efeito colateral? Haveria o risco de os jogadores ficarem condicionados ao que o treinador pede em vez de assumirem riscos? Tite responde:

– A gente dá orientações. Tomada de decisão é do atleta. Ela é fundamental da velocidade de raciocínio e execução dele. Então não tem a intervenção na tomada de decisão. A menos, sim, e esse é o cuidado, que seja um atleta que esteja emocionalmente muito… que esteja estreando dentro da Seleção, que esteja com um nível de expectativa alto, que esteja excessivamente nervoso. A gente tem que ter a sensibilidade para saber encontrar a forma ou que tipo de orientação dar.

O comandante canarinho é cuidadoso com os detalhes. Quando um adversário vai cobrar lateral, ele pede aos jogadores que tenham a bola como referência. Nos escanteios e faltas recorre quase sempre ao grito de “concentra”. Quando a Venezuela tentou ter um pouco de posse, no fim do jogo, o pedido era de “tira, tira, tira”, mas não para “tirar” a bola, mas sim a linha de passe de quem tinha a bola.

Até num tiro de meta adversário o posicionamento era ajustado com minúcia:

– Tá bom aí, Firmino, tá bom aí. Douglas, deixa lá. Olha, calcula onde vai cair a primeira bola, aí Allan, aí!

Mais perto do apito final, Tite passou a tentar tirar algo a mais de alguns jogadores. A Firmino, avisou: “eu preciso de ti até o final”. Já quando Pedro se queixou de um problema muscular, que viria a cortá-lo da Seleção no dia seguinte, o técnico pediu: “suporta a dor”.

Houve também expressões difíceis de codificar:

– Retarda a viajada! – foi a dica dada a Allan em um momento em que o jogo estava parado.

Se nem tudo fica claro para o público e até para os jornalistas, para os jogadores este vocabulário é bem familiar, garante a comissão técnica da Seleção.

– Acredito que todos os treinadores, nesta circunstância de não ter público, trabalham da mesma maneira que trabalhavam quando tinha o público. E treinam dessa maneira. Pode parecer estranho para o torcedor, para a imprensa, mas para quem convive no dia a dia é uma coisa particular e de entendimento – comentou Cléber Xavier, auxiliar da Tite.

Diante do Uruguai, a Seleção faz a sua despedida em 2020 e possivelmente também a último jogo antes da volta do público nas Eliminatórias. O mundo torce por uma vacina contra o coronavírus antes de março do ano que vem, quando o Brasil enfrenta Colômbia e Argentina. É bom Tite já ir preparando a garganta…

 

Fonte GE.

Redação Gdsnews.

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