Mariana Muniz
O GLOBO
BRASÍLIA — O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolheu nesta quarta-feira o recurso da Petrobras e derrubou decisão de 2018 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que condenou a estatal a corrigir os salários de 51 mil servidores ativos e inativos.Quando saiu derrotada do TST, a Petrobras estimava que o pagamento retroativo teria um impacto de R$ 17 bilhões. Agora, segundo fontes envolvidas no processo, a estatal estima que uma derrota nesse caso significaria uma perda de R$ 46 bilhões.
Esse é o valor decorrente da necessidade de atualizar os salários de maneira retroativa. Há ainda um pagamento referente aos salários futuros, que não estão na conta.
Cabe recurso dos sindicatos da Petrobras ao plenário do STF, composto por 11 ministros. O relator decide se o assunto será julgado pelo plenário virtual ou pelo plenário físico. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) informou que vai recorrer da decisão e defende julgamento no plenário.
Em nota, a Petrobras afirmou que a decisão “reconhece a validade do acordo coletivo de trabalho livremente firmado entre a Petrobras e os sindicatos, revertendo a decisão do TST”, mas ponderou que ainda cabe recurso.
A empresa ainda calcula eventual impacto finaceiro, mas, sobre o valor da causa, a estatal limitou-se a informar que, no balanço financeiro do primeiro trimestre, reconheceu como perda possível o valor de R$ 30,2 bilhões e o de R$ 700 milhões domo perda provável, “reconhecido no passivo como provisão para processos judiciais e administrativos”.
O caso teve origem em 2007, quando a Petrobras criou a complementação da Remuneração Mínima por Nível e Regime (RMNR).
Essa verba era uma espécie de piso. Pelos termos desse acordo, adicionais — como trabalho noturno, regime de sobreaviso ou de periculosidade — fazem parte do cálculo da RNMR, mas os funcionários foram à Justiça para que os adicionais fossem pagos em separado.
Moraes ainda entendeu que houve “franca negociação” com os sindicatos. “Não só eles, como também os próprios trabalhadores, foram esclarecidos a respeito das parcelas que compõem a remuneração mínima, RMNR”, afirmou.
Para Moraes, “supor que a cláusula não foi devidamente compreendida pelos trabalhadores, por faltar-lhe a demonstração matemática das suas consequências é, no mínimo, menosprezar a capacidade do sindicato de cumprir o papel de representar a categoria e negociar os melhores termos do acordo”.
“Não me parece haver dúvidas, portanto, que, somente em caso de flagrante inconstitucionalidade, caberia a intervenção judicial para alterar o que foi livremente negociado pelas partes”, assinalou.
Ministro revalida decisões de primeiro e segundo graus
Na decisão desta quarta-feira, porém, Moraes observou que as sentenças de primeiro e segundo graus entenderam que os adicionais devem compor o cálculo do complemento da RMNR e, por isso, julgaram improcedente o pedido dos funcionários. Foi só na terceira instância, a do TST, que houve entendimento divergente, contra a estatal.
Em sua decisão, Moraes considerou o impacto financeiro para a Petrobras.
“Do ponto de vista econômico, veja-se que apenas a parte autora neste caso concreto (um trabalhador da estatal) entende ter recebido um terço do valor efetivamente devido. Em um só mês, há cerca de dez anos, foram R$ 2.000 pagos a menor. Consideradas as milhares de ações em curso, mostram-se verossímeis as projeções de passivo da companhia, em caso de insucesso nesta controvérsia”, apontou o ministro.
Advogado da Petrobras diz que estatal fez o que pediram os trabalhadores
Francisco Caputo, do escritório Caputo, Bastos e Serra, que atuou no processo em defesa da Petrobras, alegou que a criação da parcela única foi um pedido dos trabalhadores:
— A Petrobras atendeu, após intensa negociação, um pleito antigo dos empregados. Anos depois, se viu diante de um contencioso de mais de 8 mil ações, discutindo exatamente o alcance do que havia sido negociado. Com essa decisão, o STF prestigia o que foi soberanamente negociado entre as partes. E traz segurança jurídica para futuros acertos entre empregadores e empregados.
Para especialista, acordo com sindicato pesou na decisão
Professor de Direito Trabalhista do Ibmec/RJ, Leandro Antunes afirma que existe um consenso atualmente de que o Judiciário não pode intervir em acordos coletivos, exceto quanto existe algum vício jurídico, ou seja, alguma prática que vá contra a lei.
— O ministro Alexandre de Moraes entendeu que na época em que foi criada essa parcela única, que englobava alguns direitos dos trabalhadores, o sindicato participou da negociação. E se achava que não valia a pena, deveria ter se manifestado na época.
Porém, o advogado pondera que a RMNR poderia se enquadrar no que o Direito do Trabalho chama de “salário complessivo”, ou seja, o pagamento de verbas salariais de forma unificada, sem especificar a que cada uma se refere.
Essa prática é proibida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que determina que o trabalhador tem o direito de saber a que se refere a remuneração que está recebendo.
— Pela lei, cada parcela tem que vir acompanhada do seu fato gerador — explica.
FUP quer julgamento pelo colegiado do STF
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) informou que vai recorrer da decisão para que o caso seja definido pelo colegiado do STF.
“É surpreendente que um tema dessa natureza e complexidade seja decidido de forma monocrática e durante o período de recesso do Supremo Tribunal Federal (STF)”, afirmou o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros(FUP), Deyvid Bacelar, em nota enviada pela FUP.
Julgamento longo e controverso
O caso chegou ao gabinete de Alexandre de Moraes em fevereiro de 2020.
No TST, em 2018, o julgamento durou mais de dez horas, dividiu o plenário do TST e só foi decidido no último voto: foram 12 votos a favor da Petrobras e 13 a favor dos trabalhadores. A discussão no Tribunal começou em outubro de 2015.
A Petrobras argumentava que o acordo assinado em 2007 vigorou por três anos sem intercorrências e alegava que os sindicatos elogiaram o resultado da negociação à época.