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Zinho se entregou seis dias após operação que apreendeu documentos e telefones de deputada

O miliciano Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, chefe da maior milícia do Rio, foi preso neste domingo, véspera de Natal

O miliciano Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, chefe da maior milícia do Rio, foi preso neste domingo, véspera de Natal. A prisão dele aconteceu seis dias depois da Polícia Federal e do Ministério Público do Rio deflagrarem a operação Batismo, que investigava a participação e articulação política da deputada Estadual Lucinha (PSD).

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Segundo a Polícia Federal, a prisão de Zinho ocorreu após “tratativas entre os patronos” do miliciano, a PF e a recém recriada Secretaria de Segurança Pública. O criminoso, que estava foragido, se apresentou na delegacia, localizada na Superintendência da PF no Rio na tarde de domingo. Fontes da PF afirmam que, ao se entregar, Zinho está tentando manter os negócios e conter os danos. A apreensão de documentos e telefones na casa de Lucinha, chamada de Madrinha pelo chefe da maior milícia do Rio, representou um revés para a quadrilha. Na semana da operação de busca e apreensão na casa da deputada, a advogada de Zinho entrou em contato com a PF para negociar a entrega do miliciano, ocorrida ontem.

Por conta da operação Batismo, a Justiça do Rio determinou o afastamento imediato da parlamentar das funções legislativas, proibição de manter contatos com determinados agentes públicos e políticos, bem como proibição de frequentar a casa legislativa.  As investigações apontam que Lucinha mantinha uma participação ativa da deputada e de sua assessora na organização criminosa, especialmente na articulação política junto aos órgãos públicos visando a atender os interesses do grupo miliciano, investigado por organização criminosa, tráfico de armas de fogo e munição, homicídios, extorsão e corrupção.

Entenda supostas ligações de Lucinha com milícia

O “envolvimento com a milícia” por parte da deputada estadual Lucinha (PSD) e de sua assessora, Ariane Afonso Lima, fez com que o desembargador Benedicto Abicair decidisse pela imposição de medidas cautelares contra as duas, alvos de ação da Polícia Federal e do Ministério Público na última segunda-feira. O requerimento do magistrado descreve cinco episódios em que a parlamentar teria interferido em prol da maior milícia do estado, chefiada por Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, a partir de quebra do sigilo telemático do miliciano Domício Barbosa de Souza, conhecido como Dom ou Professor. A Alerj, que está em recesso, encaminhou o pedido de afastamento de Lucinha à Procuradoria Legislativa.

A investigação da PF e do MP detectou que ao menos 15 encontros foram realizados pessoalmente em 2021 entre Lucinha, sua assessora e integrantes da milícia, inclusive com a presença de Zinho — que evita o uso de aplicativos de conversa — em alguns deles.

O miliciano Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho — Foto: Reprodução

O miliciano Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho — Foto: Reprodução

A partir da quebra de sigilo de Dom, pôde-se identificar “outros integrantes da associação” criminosa, quando se chegou ao nome de Lucinha. A decisão do desembargador Benedicto Abicair elenca cinco momentos em que, a partir das conversas, demonstrou-se “a interferência da parlamentar e de sua assessoria ora para favorecer os interesses da malta, ora para protegê-los das iniciativas das autoridades policiais de combate ao grupo”.

Busca e apreensão na casa de Lucinha — Foto: Divulgação / Polícia Federal

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“Madrinha” — codinome que identificava o telefone da deputada Lucinha na agenda do telefone de Dom — chegou a mandar “beijos” e desejar que os milicianos “ficassem com Deus” em um dos diálogos.

  1. Fornecimento de informações

Ariane informou aos criminosos sobre a data de uma visita do prefeito Eduardo Paes na Zona Oeste, segundo as investigações.

Isso teria permitido que os milicianos pudessem “se programar” e “retirar das ruas sua tropa armada”.

A decisão da Justiça destaca que essa troca de informações impediu “a atuação do Poder Público na identificação e prisão dos integrantes da malta”.

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  1. Interesse das vans

Lucinha agiu de “forma aguerrida na defesa dos interesses econômicos” do grupo criminoso, com atuação para manutenção da chamada “brecha da AP5”, aponta o MP.

O termo faz referência à Área de Planejamento 5 (AP5), que corresponde à área da Zona Oeste em que a milícia atua, e que, durante a realização de estudos, permitiria que o transporte alternativo circulasse fora do itinerário determinado.

Isso ajudaria na arrecadação das vans, uma das principais fontes de recursos à milícia.

A investigação diz que Lucinha atuou junto ao Poder Executivo para a manutenção dessa “brecha”, atendendo pedido do miliciano Dom, que afirmou textualmente que era de interesse dos criminosos a brecha da P5.

Apreensão de vans irregulares na Zona Oeste — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo / 04-10-2021

Apreensão de vans irregulares na Zona Oeste — Foto: Agência O Globo

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  1. Operação contra Tandera

Segundo a investigação, Dom teria fornecido informações à assessora parlamentar para elucidar um homicídio ocorrido em Santa Cruz, em 30 de novembro de 2021.

O miliciano relatou que o crime foi cometido pela quadrilha rival, liderada por Danilo Dias Lima, o Tandera, mas que o carro com o corpo teria sido abandonado na área “para incriminar” o Bonde de Zinho, diz o MP.

O pedido de Dom era para que Lucinha se utilizasse “de seu prestígio”, para fazer essas informações chegarem às autoridades.

A investigação apura ainda se Lucinha usou seu mandato para pressionar operações da Polícia Civil contra um grupo rival de Zinho. Segundo o MPRJ, a milícia, supostamente, de Zinho, teria pago às delegacias da Polícia Civil para fazer uma megaoperação contra o grupo rival dele na Zona Oeste do Rio.

Em nota, a Polícia Civil diz “que não há qualquer tipo de indício de conduta criminosa nas delegacias”, repudia qualquer tentativa de associar ela ou o delegado Marcus Amim — citado pelo grupo — a grupos criminosos.

O miliciano Danilo Dias Lima, o Danilo Tandera — Foto: Reprodução

O miliciano Danilo Dias Lima, o Danilo Tandera — Foto: Reprodução

AS MILÍCIAS NO RIO:

As milícias são grupos paramilitares, que disputam com os traficantes espaço na subjugação de comunidades carentes e bairros na capital e em outros municípios fluminenses. Em 2005, reportagem do GLOBO revelou que essas quadrilhas formadas por policiais e ex-policiais tinham assumido o controle de 42 favelas na Zona Oeste do Rio.

Após uma década de expansão e fortalecimento, os grupos milicianos dominam e exploram regiões que se espalham por dezenas de bairros do Rio e no entorno da capital, brigam por novos territórios com um arsenal militar. Corrompem, matam e se infiltram nas instituições. Quase sempre sem punição.

Em meio a uma crise interna, a maior milícia do Rio deu, no dia 23 de outubro, uma demonstração de força e parou a capital do estado em represália à morte de um dos integrantes de sua cúpula. Após Matheus da Silva Rezende, o Faustão, apontado como número 2 da hierarquia da milícia chefiada por seu tio, Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, ser morto a tiros pela polícia, seus comparsas incendiaram 35 ônibus e um trem e impactaram o transporte público em uma dezena de bairros da Zona Oeste.

  1. Intervenção por presos: ‘Fique com Deus’

Os criminosos pediram, ainda, à deputada para intervir ao menos em dois episódios na Polícia Militar.

Em novembro de 2021, milicianos foram presos em uma ação do Batalhão de Rondas Especiais e Controle de Multidão (Recom), mas após ligações de Lucinha, diz o MP, apenas foram apresentados na delegacia armas e fardas de uso restrito.

No dia seguinte, Lucinha envia nova mensagem a Dom e diz que “fez sua parte”, além de que iria quebrar o telefone.

Ela manda beijos e diz para os milicianos ficarem com Deus.

Em seguida compartilha duas fotos com o então presidente da Alerj André Ceciliano (PT).

Trecho da decisão da Justiça — Foto: Reprodução

Trecho da decisão da Justiça — Foto: Reprodução

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  1. Interferência no comando de batalhão

O Ministério Público ainda encontrou conversas em que o miliciano pede para a deputada a troca do comandante do 27º BPM (Santa Cruz), área de atuação da quadrilha.

Dom diz a um contato para repassar para Zinho que já tinha feito o pedido de interferência para a “Madrinha”.

O miliciano teria ainda cobrado que ela articular a troca com o comandante geral da PM e com o “presidente”, se referindo à Ceciliano, segundo o MP.

À colunista Malu Gaspar, o comandante da PM Luiz Henrique Marinho Pires disse que nunca foi acionado por nenhum político para trocar chefes de batalhões ou das Delegacias de Polícia Judiciária Militar, que investigam milícias e crimes de agentes da corporação.

O comandante da unidade foi trocado apenas em agosto de 2022. A PM ainda diz que vai investigar os casos assim que tiver acesso ao conteúdo do inquérito.

Atualmente Secretário Especial de Assuntos Federativos, Ceciliano diz que “jamais tomou conhecimento da atuação da deputada Lucinha em prol da milícia e nem recebeu dela qualquer pedido para atuar em interesse desse grupo”. O ex-presidente da Alerj ainda diz que não é investigado ou que foi convidado a ser testemunha no caso.

O suposto braço político também teria sido usado para garantir operações ilegais de vans na cidade do Rio. Outra troca de mensagens mostra que os milicianos pediram para Lucinha, correlegionária de Eduardo Paes, buscar frear mudanças que a prefeitura do Rio estudava no transporte alternativo na capital. Enquanto uma comissão trabalhava para estudar como melhorar o transporte na Zona Oeste, houve pedidos para Lucinha pressionar para a manutenção da “brecha da P5”.

De acordo com a investigação, se tratava do “Sistema de Transporte Público Local (STPL) da Área de Planejamento 5 – AP5, que corresponde ao transporte de vans nos bairros da Zona Oeste, maior fonte de recursos direta da associação criminosa paramilitar”.

A secretaria de Transportes afirmou em nota que as decisões sobre o sistema são feitas para toda a cidade e sem interferência política. A prefeitura diz ainda que “eventuais pleitos políticos são analisados e decididos sob a perspectiva técnica e de interesse da população”.

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Alerj: ‘situação inédita’

A presidência da Assembleia Legislativa do Rio informou nesta terça-feira que o afastamento da deputada Lucia Helena Pinto de Barros, a Lucinha (PSD), determinado pelo desembargador Benedicto Abicair, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, é “situação inédita” no Parlamento fluminense. Uma investigação do Ministério Público do Rio (MPRJ) e da Polícia Federal mostrou supostas ligações de Lucinha com milicianos da quadrilha de Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho.

Essa medida imposta pelo magistrado, no entanto, terá que ser submetida aos deputados. De acordo com a decisão, o voto terá que ser aberto e nominal. “Pela primeira vez enfrenta-se a questão da alteração judicial da composição parlamentar sem prisão, mediante a decretação de medida cautelar”, diz a nota da Alerj.

A presidência da Alerj encaminhou, então, o despacho de Abicair para que “a Procuradoria Legislativa se manifeste sobre o tema, por se tratar de matéria jurídica inédita”. Só depois dessa análise, “será iniciado o procedimento interno”. A Casa não divulgou os prazos para a procuradoria emitir seu parecer. Os deputados estão em recesso até 6 de fevereiro.

 

Fonte G1.

Redação Gdsnews.

 

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