TRF mantém condenação e detalha vida dupla de servidor que se passava por policial federal

Servidor público efetivo do município de Dourados desde 16 de janeiro de 2014, lotado na Secretaria de Serviços Urbanos como fiscal de posturas municipais, Wellington Jose Carvalho de Almeida levava uma vida dupla digna de filme de ação. No dia 30 de abril, ao negar apelação criminal e mantê-lo condenado pela prática dos crimes de tráfico de influência e integração a organização criminosa, o TRF 3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) detalhou as aventuras do falso policial federal acusado de extorquir contrabandistas de cigarros.

Por unanimidade, os desembargadores federais da Décima Primeira Turma da Corte apenas reduziram a soma das penas para o total de 9 anos e 2 meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de 37 dias multa. Mas mantiveram a prisão preventiva que perdura desde 26 de fevereiro de 2019, quando o réu foi preso na segunda fase da Operação Nepsis.

Wellington figura no portal da transparência do município na condição de licenciado, com remuneração bruta de R$ 4.780,53 na folha de abril. Em 23 de janeiro de 2020, ele foi condenado pela 2ª Vara Federal de Ponta Porã a 10 anos e 4 meses de reclusão, mas foi beneficiado com a progressão para o regime semiaberto em 28 de janeiro deste ano, conforme relato da defesa em recente recurso que visava à prisão domiciliar.

De acordo com acórdão do julgamento realizado pelo TRF3 no dia 30 de abril, embora a função de fiscal de posturas do município tenha carga horária estabelecida de 150 horas mensais, o servidor conseguiu tempo para fingir ser policial federal, extorquiu cigarreiros, agrediu um agente da PRF (Polícia Rodoviária Federal) que investigava carregamentos suspeitos e ajudou contrabandistas a denunciarem ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado) policiais militares que cobravam propina para liberação das cargas.

 

Policial fake

Fuzil e espingarda estilo “airsoft” foram apreendidos na casa do servidor municipal (Foto: Divulgação/Polícia Federal)

O voto do desembargador federal José Lunardelli, relator do recurso, conclui que Wellington criou um personagem fictício, o policial federal identificado como Elder/Welder, e agindo nessa condição passou a fazer parte da organização criminosa como suposto policial garantidor e integrava a lista de beneficiários das propinas.

Irmão de um policial militar também preso na Operação Nepsis, ele teria enganado os contrabandistas ao se identificar como policial federal e também através da criação de falsos perfis no aplicativo WhatsApp dos policiais federais fictícios “Cesar”, “Cosmo”, “Luis” e “Welder”.

Ao analisarem disco rígido apreendido na residência do réu, os investigadores apuraram a existência de imagens de Wellington “vestindo-se como policial, com uniformes e coletes pertencentes a diversas forças de segurança pública, inclusive portando armas”. Além disso, na casa dele foram apreendidos giroflex, monóculo de visão noturna, rastreadores de veículo e sirene alto falante, bem como um fuzil e uma espingarda estilo “airsoft”, “sendo que os bicos identificadores vermelhos, comuns nesse tipo de artefato, haviam sido retirados”.

Propina milionária

Com esse personagem de policial federal, o fiscal de posturas municipais solicitou aos líderes do esquema de contrabando R$ 1 milhão sob a justificativa de impedir uma operação policial fake, inventada por ele. A vultuosa quantia em dinheiro seria rateada entre um juiz, dois delegados e agentes de Polícia Federal.

Ao condenar Wellington, a Justiça Federal destacou o fato de que após a solicitação da propina, consta da planilha financeira da organização criminosa extraída das mídias do possível gerente financeiro o pagamento da quantia de R$ 300.000,00, “o que se mostrou extraordinário, considerando os pagamentos realizados rotineiramente”.

Para as autoridades, diante da afirmação de um dos gerentes da quadrilha de contrabandistas, segundo quem foi negociado um valor mais baixo que o inicialmente solicitado, de R$ 1 milhão, “é muito provável que o lançamento na planilha financeira no valor de R$ 300.000,00 tenha se destinado ao réu”.

Entre os elementos que embasaram tanto a condenação quanto o indeferimento do recurso, é mencionado que “os bens apreendidos na residência do réu e os diversos comprovantes de transações de expressivo valor demonstram claramente a incompatibilidade do patrimônio pertencente ao réu com a sua condição de funcionário público municipal, que lhe rendiam proventos de aproximadamente R$ 5.000,00”.

Denunciou policiais

Mas o Judiciário concluiu ainda que Wellington foi além da farsa que ludibriou os cigarreiros. Um episódio ocorrido em 1º de dezembro de 2017 indica que o falso policial federal ajudou na prisão de policiais militares que apreenderam carretas carregadas de cigarros pertencentes à organização criminosa, em Campo Grande, e exigiam grande quantia em dinheiro para liberar a carga e o motorista.

Acionado pelos contrabandistas, o “policial federal Helder”, personagem de Wellington, aconselhou que a extorsão fosse denunciada. Por fim, ele mesmo teria ligado para um oficial do Gaeco “e, identificando-se como policial federal Elder lotado em Goiás, informou que, através de um informante, soube que uma equipe de policiais militares havia seqüestrado um motorista de caminhão e estariam exigindo dinheiro para liberá-lo, tendo, inclusive, enviado fotografias, localização do veículo e mensagens de áudio do informante”.

Para o TRF, ficou claro que essa intermediação de contatos culminou com a prisão de dois policiais militares, fato comprovado pelo Auto Circunstanciado nº 17 e pelas declarações prestadas por um tenente-coronel na Corregedoria da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul.

Agrediu agente da PRF

Identidade falsa de fiscal foi desmascarada ao ser preso após agredir agente da PRF (Foto – )

Ainda de acordo com o acórdão do TRF3, fato ocorrido no dia 20 de março de 2018, em Maracaju, “demonstra que Wellington agiu em prol da organização criminosa ao tentar impedir o trabalho de investigação de policiais rodoviários federais, de modo a garantir o sucesso do escoamento do contrabando”.

O relatório do julgamento narra que dois agentes da PRF estavam à paisana investigando a prática de contrabando na região, após receberem informações da inteligência sobre um possível carregamento de cigarros, quando foram abordados por supostos policiais federais em um posto de combustíveis. A abordagem foi feita por Wellington e o irmão policial militar, que se apresentaram como federais.

Em depoimento, os policiais rodoviários federais detalharam que dois veículos se aproximaram e um dos motoristas sacou a arma e apontou. Sem qualquer identificação funcional, dois saíram do carro armados e deram início às agressões. Essa confusão só acabou quando uma equipe da Polícia Militar acionada por testemunhas chegou ao local e conduziu todos os envolvidos ao batalhão.

Descalcificação dos dentes

Conforme o acórdão, “no veículo em que se encontravam Wellington e o irmão foram encontrados um rádio comunicador modelo YAESU semelhante aos rádios utilizados pela organização contrabandista, bem como um sinalizador luminoso (kojac/giroflex), utilizado costumeiramente em veículos policiais descaracterizados, além de R$ 12.000,00, em espécie”.

Preso em flagrante naquela ocasião, o falso policial federal declarou às autoridades policiais “que a quantia em dinheiro se destinava ao pagamento de um tratamento dentário, pois sofria de descalcificação nos dentes”, acrescentando que “viajava apenas na companhia de seu irmão”, sem mais acompanhantes.

Foi ali que começou a cair por terra a identidade falsa que, segundo o TRF, permitiu ao fiscal de posturas municipais Wellington Jose Carvalho de Almeida levar uma vida dupla cheia de aventuras.

Estelionatário

Todas essas informações constam no acórdão que negou o recurso do réu. Entre outros pontos, a defesa dele pleiteava a nulidade da sentença da 2ª Vara Federal de Ponta Porã “em decorrência da não apreciação do pedido de reconhecimento do instituto da delação premiada” e “a desclassificação para o crime de estelionato, uma vez que a conduta praticada pelo apelante consistiu em ludibriar os membros da organização criminosa, por meio de ardil, com a finalidade de obter vantagem ilícita”.

Também visava a “atipicidade da conduta tipificada como delito de tráfico de influência, tendo em vista que ‘quanto ao crime de tráfico de influência, este, para a sua concretização, impõe a real existência de um agente público’”, garantindo ter restado provado “que o acusado não era agente público e nem tinha real influência sobre algum, por isso, não tinha como fornecer vantagens a ninguém”. O único pleito defensivo acolhido pelos desembargadores foi quanto à dosimetria da pena-base do crime de organização criminosa.

 

Fonte PF.

Redação Gdsnews.

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