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Entenda o que é a wiphala e como a questão indígena na Bolívia acirrou a crise política no país

Bandeira indígena elevada a símbolo nacional por Evo Morales é exaltada por apoiadores do ex-presidente, enquanto alguns opositores chegaram a queimá-la em público.

De um lado, apoiadores de Evo Morales empunham as sete cores da wiphala para protestar contra a queda do ex-presidente. Do outro, os oposicionistas adotam o vermelho-amarelo-verde da bandeira da Bolívia nas manifestações de apoio ao movimento que derrubou 14 anos do governo do antigo líder cocaleiro.

A wiphala se tornou símbolo da divisão da sociedade boliviana desde as denúncias de fraude eleitoral no pleito que daria a Evo um quarto mandato consecutivo. Isso porque imagens da bandeira quadriculada queimada ou retirada de braceletes de policiais viralizaram nas redes.

 

Professores ouvidos pelo G1 explicam como a wiphala, bandeira de origem indígena, expõe as divisões sofridas pela Bolívia nos últimos anos e que culminaram na queda de Evo e na proclamação da senadora Jeanine Áñez como presidente interina boliviana.

 

O que é a Wiphala?

Em protesto na Guatemala nesta quinta-feira (14), apoiadores do ex-presidente da Bolívia Evo Morales estendem a bandeira indígena wiphala.

A wiphala é uma bandeira representada com padrões quadriculados com sete cores: amarelo, laranja, vermelho, violeta, azul, verde e branco. Na constituição promulgada por Evo em 2009, o símbolo foi incluído entre os oficiais da Bolívia, ao lado da bandeira nacional e outros ícones.

 

De acordo com o antropólogo Salvador Schavelzon, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a wiphala representa os povos dos Andes não só da Bolívia, mas também de etnias que vivem até hoje em outros países sul-americanos como Peru, Equador e Argentina.

 

“É um símbolo do mundo andino em geral, dos quéchuas e dos aimarás, que vivem na região antes ocupada pelo Império Inca”, afirmou.

Qual a importância da wiphala na Bolívia?

Atrás de uma bandeira wiphala, policial patrulha área de La Paz após confronto com manifestantes em mais um dia de protestos na Bolívia, na quarta-feira (13).

 

A Constituição de 2009 incluiu o reconhecimento às 36 nacionalidades bolivianas – tanto que o país recebeu o nome de Estado Plurinacional da Bolívia naquele ano. Além disso, mais de 60% dos bolivianos se reconhecem indígenas.

 

Os povos dos Andes, sobretudo os quéchuas e aimarás, representam quase dois terços desse grupo. A bandeira wiphala, de origem no Altiplano boliviano, surgiu como representação dos indígenas que, desde a independência, não tinham representação.

Ambas consideradas símbolos nacionais pela constituição, a bandeira da Bolívia (E) e a wiphala (D) são colocadas atrás de mesa de onde discursou Jeanine Añez, proclamada presidente boliviana, na quarta-feira (13).

 

Antonio Jorge Ramalho, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), explica que os grupos étnicos viram na wiphala o símbolo da representação indígena no Estado.

 

“Ela representa esse reconhecimento pela sociedade boliviana do direito de existir como cidadão”, afirma.

“A Bolívia chegou a ter presidentes que mal falavam espanhol – e sim quase exclusivamente inglês. A população não se sentia representada”, acrescentou, em referência a Gonzalo Sánchez de Lozada, que governou o país entre 1993 e 1997 e entre 2002 e 2003.

 

Como a questão indígena acirrou a crise?

 

Eleito pela primeira vez em 2005, Evo se declara integrante da origem aimará. Além disso, o ex-presidente ganhou notoriedade em Chimoré, no altiplano boliviano, ao representar os cocaleiros – camponeses indígenas que trabalhavam na região produtora de coca.

 

A constituição promulgada em 2009 e apoiada por Evo incluiu a denominação “Estado Plurinacional” e oficializou a wiphala e a flor de patujú como símbolos oficiais da Bolívia, ao lado da bandeira.

 

À medida em que Evo perdeu apoio – sobretudo por driblar a constituição para estender o mandato e por se manter ao lado do regime de Nicolás Maduro na Venezuela –, aumentou a rejeição aos símbolos indígenas. Entre eles, a wiphala.

 

Os conflitos recentes evidenciaram a questão étnica na Bolívia, explica o professor Ramalho, da UnB. Os símbolos cristãos passaram a representar também a oposição a Evo, sobretudo quando as igrejas se aproximaram de uma parcela descontente da população – inclusive indígenas – e se fortaleceram.

 

“Além do crescimento do neopentecostalismo, o catolicismo voltou à tona na Bolívia. É uma força que cresce na periferia das grandes cidades”, afirma.

Isso ficou evidente, segundo ele, quando Jeanine Áñez tomou posse como presidente interina da Bolívia com uma bíblia em mãos. Além disso, o líder oposicionista Luis Camacho entrou na sede presidencial com o mesmo livro sagrado.

 

Existe divisão territorial?

 

Embora cada vez menos evidente, as regiões bolivianas apresentam diferenças quanto ao apoio a Evo ou à oposição liderada por Camacho e Áñez.

 

De acordo com o antropólogo Salvador Schavelzon, da Unifesp, a Bolívia passou por um processo de urbanização que integrou aimarás e quéchuas aos brancos e mestiços de grandes centros urbanos – principalmente Santa Cruz de La Sierra, cidade mais industrializada do país. Lá, o choque cultural se traduziu em conflitos mais intensos entre os grupos étnicos.

 

“Há uma parte da população de Santa Cruz com posições racistas e até mesmo pretensões separatistas”, aponta Schavelzon.

 

A questionada apuração das eleições de outubro apontou que Evo teve o pior desempenho justamente em Santa Cruz: 34,76% dos votos contra 46,85% de Carlos Mesa. Em Cochabamba, o ex-presidente teria obtido 57,52% dos votos – vale lembrar que a Organização dos Estados Americanos (OEA) apontou indícios de fraude na votação. Veja o mapa abaixo.

 

Schavelzon ressalta, ainda, que nem todos os grupos indígenas apoiaram Evo nesta crise. Há questões mais localizadas, como disputas por recursos naturais, que definiram os apoios entre o ex-presidente e a oposição.

 

“Evo perdeu apoio em Potosí, por exemplo, que também fica na região andina. E ele não tem obtido respaldo dos indígenas das terras baixas nesta crise”, aponta.

 

Fonte G1 Bolívia.

 

 

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