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Finlândia pede para entrar na Otan, e Rússia ameaça com retaliação

Decisão histórica se deve à invasão russa da Ucrânia e deve ser seguida pela Suécia; aliança promete processo rápido

Tanque Leopard-2A6 finlandês participa do exercício Arrow-22, em maio, com forças britânicas, americanas, estonianas e letãs no oeste do país – Heikki Saukkomaa – 4.mai.2022/AFP

IGOR GIELOW

FOLHA DE S. PAULO
SÃO PAULO – Em uma decisão histórica, o governo da Finlândia anunciou nesta quinta (12) que vai pedir “sem demora” a entrada do país nórdico na Otan, a aliança militar de 30 membros liderada pelos Estados Unidos. A Rússia, cuja invasão da Ucrânia motivou a iniciativa, prometeu retaliação contra o vizinho.

Os finlandeses mantinham neutralidade militar desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em um acerto tácito com a então União Soviética para evitar um novo conflito como os que os países travaram durante o embate global.

Eles deverão ser seguidos pela Suécia, encerrando mais de 200 anos de neutralidade do vizinho. O Parlamento em Estocolmo deverá dar seu parecer sobre o tema nesta sexta (13). Ambos os países mudaram de opinião e buscaram o guarda-chuva militar dos EUA por temer a agressividade russa.

“A Finlândia deve candidatar-se à adesão à Otan sem demora. Nós esperamos que os passos nacionais ainda necessários para tomar a decisão sejam tomados rapidamente nos próximos dias”, disseram em declaração o presidente Sauli Niinistö e a primeira-ministra Sanna Marin.

O pedido deverá ser analisado pelo Parlamento local, que já tem maioria para isso, após a opinião pública do país virar em favor da participação. O secretário-geral da Otan, o norueguês Jens Stoltenberg, afirmou que o processo será “rápido e suave”, e que Helsinque será “muito bem-vinda”. A aliança iniciou um grande exercício com 10 mil soldados em cinco países-membros nesta quinta.

Previsivelmente, integrantes da aliança divulgaram congratulações pela medida, que mudará a arquitetura de segurança do norte da Europa, certamente um efeito colateral que Moscou não esperava quando invadiu a Ucrânia alegando entre outras coisas a necessidade de impedir a adesão de Kiev à mesma Otan.

Na quinta, Niinistö havia se encontrado com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e disse: “Se for o caso de aderirmos, bom, minha resposta [para Vladimir Putin] seria que você causou isso, olhe no espelho”.

O mau humor russo no episódio já havia ficado claro com ameaças anteriores de colocação de armas nucleares próximas das fronteiras finlandesas e suecas, e explodiu nesta quinta nas palavras do porta-voz Dmitri Peskov.

“A expansão da Otan não faz nosso continente mais estável e seguro”, disse, acrescentando que a Rússia “definitivamente vê como uma ameaça à sua segurança nacional” a adesão finlandesa. “A Otan está vindo em nossa direção. Tudo vai depender de como essa expansão ocorrerá, qual infraestrutura militar será movida para nossas fronteiras”, completou.

Aceita na aliança, como será, a Finlândia será o país da Otan com a maior fronteira compartilhada com a Rússia: 1.300 km. A Ucrânia tem 2.300 km, parte deles violados por Putin no dia 24 de fevereiro, na maior ação militar na Europa desde o fim da Segunda Guerra.

Mas voltou a dizer que a Rússia “está preparada para dar a resposta mais incisiva a quem tentar de alguma forma entrar na operação militar na Ucrânia”. O Ocidente tem apoiado Kiev com armamento, dinheiro e informações de inteligência, mas não enviou soldados. “Todos, incluindo a Rússia, querem evitar um confronto direto entre a Rússia e a Otan”, disse —uma obviedade, dado que ambos os lados têm armas nucleares.

A neutralidade nórdica sempre teve tudo a ver com a Rússia. A Suécia era um reino expansionista e invadiu o grande vizinho no século 18, mas em 1809 decidiu isolar-se após perder a Finlândia para o Império Russo.

Nas duas guerras que lutou contra os russos entre 1939 e 1944, a Finlândia conseguiu evitar a anexação pelos soviéticos, mas perdeu 10% de seu território. Esse trauma levou o país a adotar uma política estrita de não alinhamento, semelhante àquela do vizinho mais de um século antes.

Na prática, contudo, a neutralidade era parcial, em especial no caso sueco. Ambos os países são membros da União Europeia desde 1994, o que lhes dá acesso a uma cláusula de defesa mútua nos padrões da Otan, embora seja pouco conhecida e ninguém saiba como seria acionada.

A Suécia, em especial, também tem uma postura militar incisiva e alinhada com o Ocidente. Com uma indústria de defesa sofisticada, produzindo boa parte das armas antitanque leves usadas contra Moscou pela Ucrânia, submarinos e caças como o Saab Gripen vendido ao Brasil, Estocolmo opera em sintonia com a Otan no ambiente do pós-Guerra Fria, participando de diversos exercícios conjuntos.

Nos últimos anos, aumentou seu gasto militar e acionou diversas vezes o estado de alerta devido à turbulência envolvendo a Rússia, como os protestos reprimidos na ditadura aliada do Kremlin da Belarus. Intrusões de aviões russos nas franjas de seu espaço aéreo são comuns, e duas já ocorreram depois do início da guerra, para protestos suecos.

No país, pesquisa feita pelo jornal Aftonbladet nesta semana mostrou apoio de 61% da população à entrada na Otan, ante históricos 20%. O partido que domina a vida política local, o Social Democrata, está acabando também a revisão de sua política de neutralidade.

Ela está sendo celebrada principalmente pela Polônia e pelos três Estados Bálticos, que se veem especialmente ameaçados pela Rússia. “A principal adição aos nossos planos de defesa é nas áreas marítima e aeroespacial. Nosso tempo de reação será reduzido”, disse o chefe das Forças Armadas estonianas, Enno Mot.

O movimento deixará assim a Suíça como a fortaleza de neutralidade no continente. Antes, Genebra e Helsinque dividiam o holofote para encontros de cúpula da Rússia com países ocidentais, como na reunião entre Putin e Donald Trump em 2018, realizada na capital finlandesa, ou na do russo com Joe Biden, sediada na cidade suíça no ano passado.

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