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Luciana Gimenez: ‘Minha história foi contada com pitadas de machismo’

À Marie Claire, ela fala sobre o machismo ao longo da carreira, o medo de envelhecer, e como as críticas abalaram sua autoestima nas últimas décadas. 'Sofri calada por mais de 20 anos'

A maternidade, que costuma conceder respeito e admiração às mulheres, foi motivo de retaliação para Luciana Gimenez por muito tempo. Há 22 anos a apresentadora anunciou que estava à espera de um filho com Mick Jagger, um homem mais velho e um dos maiores astros do rock mundial. Em vez de felicitações, teve que lidar com a fama de interesseira, que a persegue por décadas.

“Criaram histórias, me imputaram fatos e fui tachada de nomes que ninguém gostaria de ouvir. Fui perseguida, literalmente, até do outro lado do mundo”, diz ela à Marie Claire.

Segundo a apresentadora, desde então, o olhar do público para sua vida se resume a com quem ela se relaciona, seu corpo ou as roupas que veste. Em caso recente, foi criticada nas redes sociais por usar um vestido justo, curto e com fendas laterais. Nos comentários, disseram que a peça era “inapropriada para sua idade” — Luciana tem 52 anos.

Após o último caso, a apresentadora sentiu que era hora de dar um basta e romper o silêncio sobre o machismo, que esteve diretamente ligado às críticas que recebeu durante a vida. “Eu sofri calada por mais de 20 anos”, diz.

Em um desabafo em forma de carta aberta (leia ao final) e na entrevista a seguir, Luciana fala sobre como os comentários maldosos nas redes sociais acabam machucando e abalando sua autoestima. Conta que as críticas recebidas por Luiza Sonza após a separação de Whindersson Nunes a fez perceber o quanto a sociedade está sempre pronta para julgar as mulheres, sobretudo as bonitas e poderosas. Falou ainda sobre o “pavor” do envelhecimento e política.

Ódio nas redes

Apresentadora e mãe, Luciana acredita ser vista pela maior parte do seu público de forma positiva, como uma mulher trabalhadora e dedicada.

“Recebo carinho. As mulheres me abraçam nas ruas. O problema é a exceção, que grita. É um grupinho que faz um barulho e machuca muito. Se você tem 3 mil comentários legais e 50 horríveis, esses 50 marcam. Você se coloca em cheque”, explica.

Para a apresentadora, as redes sociais têm se tornado espaço para pessoas invejosas se esconderem, enquanto destilam ódio.

“No momento em que se fala sobre sororidade e inclusão, não consigo entender o que está acontecendo. Muitos desses ataques são de mulheres para mulheres. Mas é um conceito machista dos homens imputados a nós. É o machismo estrutural que as mulheres carregam e passam para seus filhos e filhas e não se sabe quando isso vai parar”.

A apresentadora conta com terapia e o apoio de pessoas queridas para lidar com comentários negativos e notícis falsas sobre si.

“Eu falo cinco idiomas, sou uma mulher inteligente, sou uma boa mãe. Mas mesmo assim eu tenho problemas de autoestima. Eu me levanto todos os dias e me sinto feia. Então busco me cercar de pessoas que levantam a minha autoestima, que me puxam pra realidade, assim como eu faço com elas também”, conta.

Qual o problema de ser sensual?

Luciana acredita que os comentários machistas se intensificam quando o assunto é relacionamento. Principalmente quando envolve gravidez ou separação.

“Há muitos anos eu sofro calada. Mas estou convencida de que eu precisava falar, principalmente depois do caso da Luiza Sonza. Me identifico com ela porque quando se separou do Whindersson, as pessoas falaram que ela chifrou ele, apontaram o dedo e falaram um monte de nomes horríveis e machistas”, desabafa.

A apresentadora diz que vendo a enxurrada de comentários pejorativos, realizou o quanto a sociedade brasileira é hipócrita. “Primeiro, se ela tivesse traído o problema era dela e dele. A gente não vive na idade média onde é apedrejada por trair. Ainda assim, tanto ela quanto ele já disseram que não houve nada. E por que isso aconteceu com ela? Pegaram no pé dela porque ela é bonita, ela mexe com o corpo, ela rebola. E qual é o problema disso? Qual é o problema de ser uma pessoa sensual?”.

Luciana adiciona que a sociedade precisa escolher se esse é o país do carnaval ou se é o país da burca. “Eu não acho que eu sou inquestionavelmente bonita, mas supondo que eu seja, as pessoas te agridem quando você é bonita. Porque acham que você é burra, acham que você não é merecedora, que você vai trair,  vai dar em cima do marido delas ou que o marido delas vai dar em cima de você…”

Apresentadora fala sobre preconceito e disputa entre mulheres (Foto: Divulgação)
Apresentadora fala sobre preconceito e disputa entre mulheres (Foto: Divulgação)

Para a apresentadora, ver mulheres atacando outras mulheres é a pior parte.

“Não adianta falar que não: as mulheres disputam o tempo inteiro. Mas isso é imputado na gente pela sociedade machista. Essa coisa de botar uma mulher pra baixo, para outra se sentir pertencente. A gente fica enaltecendo o homem, mas esquece que a gente também é poderosa. O bom é que com a nova geração isso está melhor”.

Gravidez vigiada pelo mundo

Se hoje eles precisam bloquear comentários e ignorar os haters, nas últimas décadas, os paparazzis eram muito mais engajados em conseguir bons cliques e espalhar boatos. Luciana sentiu na pele os exageros dessa profissão quando, há 22 anos, engravidou de Lucas Jagger, filho de um dos maiores astros do rock inglês.

Na época, tabloides ingleses e brasileiros diziam que a gravidez era um golpe de Luciana para arrancar dinheiro do cantor via pensão.

“Depois que eu fiquei grávida saí em centenas de capas de jornais ingleses e tive que fugir para a Austrália. Se eu quisesse grana, vendia a história e fotos minhas pra todo mundo. Mas eu só queria uma gravidez saudável e feliz. No fim, eu passei os nove meses chorando por conta da exposição”.

Luciana diz ainda que, apesar de Jagger ser carinhoso e presente, neste momento da gravidez encarou os flashes e as fake news sozinha. Ele a incentivava a não cair na pilha, ser discreta e não responder.

“Foi demais tanto pra mim quanto pra ele. Ele também enfrentou uma barra e teve que sumir. Sozinha na Austrália, os paparazzis me perseguiram, ficaram na porta da minha casa até que me encontraram. Quando vi que a fuga não funcionou, peguei um voo de volta à Inglaterra. Entrei discretamente no avião, mas na fila do embarque uma fotógrafa tirou uma foto minha e publicaram na capa de um tablóide inglês. Quando desembarquei em Londres já tinha uma nuvem de fotógrafos me esperando. Foi horrível”.

Descrédito da carreira

A fama de interesseira não parou com o relacionamento internacional. Reconhecida no Brasil pelo programa SuperPop, da Rede TV, Luciana Gimenez foi casada com Marcelo Carvalho, vice-presidente da emissora, por mais de dez anos. Apesar de ter estrelado no programa em 2001, antes do casamento, que ocorreu em 2006, ela ouviu comentários de que seu espaço no programa havia sido conquistado por conta do relacionamento.

Durante os primeiros anos na condução do programa, foi criticada ainda pelo público que apontava erros de português.

“Tenho um problema de autoestima grande por causa  disso. Eu já estava sendo tão malhada, que entrei no SuperPop achando que era ruim. Não acho que eu tenha duvidado da minha capacidade, mas eu tenho dificuldade até hoje para me assistir. Quando eu assisto e gosto, penso: nossa, não é que estava bom?”.

Para Luciana, o fato das pessoas dizerem que ela só conseguiu o cargo por conta do poder do marido dentro da emissora evidencia o machismo.

“Sempre associam o sucesso de uma mulher por estar atrelada a um homem. Mas nunca associam o sucesso de um homem por estar atrelado a uma mulher. Percebo que o machismo é estrutural no comportamento porque as pessoas atuam antes de pensar. Não é uma coisa pensada. É automático. Simplesmente fala-se.”

Mulher pode envelhecer?

“Eu nem falo da minha idade porque eu não gosto. Isso já vem desde os meus 30 anos. Odeio ficar velha. Odeio tanto que até já cheguei a pensar ‘se eu de repente morrer antes, pelo menos não fico velha’. Olha a loucura desse pensamento? Mas é inexorável, todo mundo vai ficar velho”, divaga.

A apresentadora diz que é apavorada com a ideia de envelhecer  (Foto: Divulgação)
A apresentadora diz que é apavorada com a ideia de envelhecer (Foto: Divulgação)

Preocupada com a beleza, aos 30 anos Luciana viu seu primeiro fio de cabelo branco e logo pintou. “Hoje em dia tem muitas mulheres dando show ao assumir os cabelos brancos, mas eu pinto o cabelo toda semana. Se tenho um fio branco na cabeça, não saio nem na esquina”.

Para a apresentadora, a régua do envelhecimento é diferente para os homens. Enquanto eles são vistos como sábios e charmosos, as mulheres não têm permissão para envelhecer e são diminuídas.

“Nesse momento de inclusão, eu vejo muitos perfis sendo incluídos, mas a mulher mais velha ainda não. Só que a mulher trans, gorda, preta, branca, todas vão envelhecer. Parte do meu medo de envelhecer é o medo de não pertencer, de ficar de fora. Isso acontece. Já ouvi de uma revista de corpo que eu não estava no perfil porque não estava mais na idade”, lamenta.

Depois de alguns meses solteira após fim do relacionamento com Marcelo de Carvalho, Luciana assumiu relacionamento com Renato Breda. Outra vez, a apresentadora ouviu comentários maldosos.

“As pessoas falaram que eu dei o golpe nos meus ex-maridos, que são ‘velhos’ para agora gastar a grana com ele. Mas ele tem dinheiro. Não faz sentido.”

Aos 34 anos, Renato é consultor financeiro e cofundador da Nord Research, uma empresa de análise de investimentos, onde gerencia R$ 1 bilhão de patrimônio em “aconselhamento”.

Misoginia na política

Luciana também já esteve na boca dos homens da política. Em entrevista a Antônia Fontenelle, o senador Jorge Kajuru disse que Luciana Gimenez é “garota de programa” e uma “mulher desqualificada”.  Para a apresentadora, o episódio reforça o quanto a misoginia também está nas esferas de poder e são aceitas como comuns inclusive quando são ditas por parlamentares eleitos pelo povo.

“Olha o país que vivemos. A gente devia ter vergonha de ter representantes assim”.

Essa união da política com o entretenimento foi lembrada por Anitta em suas redes sociais. No fim de fevereiro, a cantora ironizou o fato de o Brasil ter elegido um presidente que vivia “batendo papo” no programa SuperPop. Sobre o tweet, a apresentadora diz que não viu intenção de criticar.

“Eu acho a Anitta o máximo. O que ela disse é verdade, o país elegeu uma pessoa do povo. Mas muitos presidentes eram do povo. A Dilma foi no SuperPop também, eu adoraria entrevistar o Lula. Sou uma pessoa que trabalha com isso e entrevistaria todos. Tem gente que entrevista a Suzane Richthofen, então qual a diferença? São histórias. Não quer dizer que você tá apoiando”.

A apresentadora diz, no entanto, que não quer saber de política, não tem partido ou candidato para as eleições de 2022. “O que eu entendo de política é como cidadã brasileira. O que eu queria é um país onde  tivéssemos leis, que funcionassem, fossem revisadas e justas. O que eu queria é que meus filhos andassem na rua”, diz.

“Queria que nós tivéssemos cadeias que dessem contribuições para a sociedade porque não adianta jogar um monte de gente lá. A maioria da população é negra, pessoas que não tiveram apoio e muitas vezes estão presas por pequenos furtos. Então aquele espaço vira uma faculdade de gente do mal. Gostaria que as cadeias fossem melhores, mas não permissivas, as pessoas têm que ser punidas, mas não torturadas”.

Carta aberta:
Estava aqui na minha cama deitada e pensando: quanto um ser humano consegue apanhar, ser criticada e ter suas conquistas reduzidas?
Você que me vê e pensa: ela é rica e famosa, tem a vida perfeita!
Não, não tenho. Desde o dia 1, quando anunciei minha gravidez, fui reduzida a insultos e perseguições. Criaram histórias, me imputaram  fatos e fui taxada de nomes que ninguém gostaria de ouvir. Fui perseguida literalmente até o outro lado do mundo. Fui um pedaço de carne jogada aos lobos sedentos por sangue.
Primeiro fui chamada de interesseira, mas quando investi numa carreira televisiva deram um jeito de me diminuir e até hoje, 21 anos depois, não aceitam que estou aqui pelo meu talento e não pelo fato de ter tido um filho ou casado com alguém. Para quem não sabe eu fiz teste para o Superpop, inclusive com outras pessoas espetaculares que hoje estão em outras emissoras e a final foi através do voto popular, pessoas ligando, mas não, preferem reduzir minha carreira a figuras masculinas. Sou mais do que meus relacionamentos,  aceitem ou não, essa é a verdade.
Eu nunca vivi de pensão, pelo contrário, sempre fui a luta para me bancar e o dinheiro que era do meu filho tinha toda uma supervisão.  Ainda bem!
Quando namorei homens mais velhos era criticada porque diziam que era interesse, hoje se namoro mais novos é porque não tenho senso.
Como é difícil tentar agradar as pessoas e sabe por que algumas pessoas não querem seu bem? Porque o ser humano prefere julgar, descontando suas frustrações no outro. A gente precisa se sentir bem na própria pele, logo, devemos seguir o que queremos, mesmo sob as críticas, porque elas virão e é assim que tenho vivido minha vida. Seguindo nos acertos e voltando atrás nos erros. Não sou perfeita, como ninguém é.
Sou bem resolvida com meu corpo, mesmo sofrendo ataques quando o exponho, mesmo sendo de forma que não agrida a ninguém. E não deixarei de fazer mesmo com pessoas dizendo que tenho que escondê-lo, alegando que ou não é coisa de uma mãe ou porque não é para tal idade.
A idade define caráter ou limita o que te dá prazer? Não!
Mas existe um machismo na sociedade em que vivemos que o homem quando fica mais velho é como o vinho, só melhora, já a mulher é comparada a um maracujá, merece o ostracismo.
Não. Não podemos aceitar isso, não podemos permitir que atinjam nossa autoestima, não podemos permitir que nos coloquem em caixinhas limitadoras. Nunca fui tão feliz como agora,  nunca estive tão em paz com meu corpo e meu caráter como agora.
Não podemos permitir que nos digam o que vestir, o que é para nossa idade ou não e não podemos permitir  que nos rotulem de santas ou garotas de programa.
É sufocante fazer qualquer coisa e ficar com medo só de imaginar se haverão críticas e qual será o tamanho da porrada. Viver pisando em ovos cansa.
Temos que nos livrar de amarras, julgamentos e preconceitos, porque só assim podemos evoluir de verdade.
Você ter uma opinião não permite que trate aquilo como verdade absoluta sobre a vida do outro. Minha história sempre foi espalhada para o grande público, com grandes pitadas de maldade, machismo e fake  news. Sempre foi algo do tipo “dane-se a saúde mental dela, queremos o espetáculo”.
Vejo isso acontecer até hoje, em sua grande maioria, com mulheres. Basta! Não são só fantoches,  são vidas, que muitas vezes acabam dilaceradas internamente e criam feridas que serão carregadas para sempre,  única e exclusivamente porque alguns tratam como entretenimento.
Eu convido você a refletir quantas vezes você diminuiu, feriu e destruiu a autoestima e a saúde mental de uma mulher falando da vida dela.

Fonte: Marie Claire
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