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Número de feminicídios cai 1,7% em 2021, mas outras violências contra mulheres crescem, mostra Anuário

Segundo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, ao menos uma pessoa ligou, por minuto, em 2021, para o 190 denunciando agressões decorrente da violência doméstica contra meninas e mulheres

Bruna Quirino foi morta a facadas pelo marido em Valinhos — Foto: Arquivo pessoal

Bruna Quirino foi morta a facadas pelo marido em Valinhos — Foto: Arquivo pessoal

Por Victor Farias/O Globo

São Paulo – O número de vítimas de feminicídio — assassinato de mulheres cometido em razão do gênero — caiu 1,7% no país em 2021, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A análise tem como base informações das secretarias estaduais de segurança pública.

Em 2021, 1.341 mulheres morreram por serem mulheres, enquanto em 2020 o número de vítimas foi 1.354. A taxa de assassinatos por 100 mil mulheres era de 1,3 e passou a 1,2, uma queda de 1,7%.

“Mesmo com a variação, os números ainda assustam: nos últimos dois anos, 2.695 mulheres foram mortas pela condição de serem mulheres”, aponta análise do Fórum, escrita pelas integrantes do FBSP e pesquisadoras Juliana Martins, Amanda Lagreca e Samira Bueno.

A queda no índice vem acompanhada do crescimento de outros tipos de violência contra mulheres: houve aumento das denúncias de lesão corporal dolosa e das chamadas de emergência para o número das polícias militares, o 190, ambas no contexto de violência doméstica, assim como aumento dos casos notificados de ameaça (vítimas mulheres). A quantidade de medidas protetivas de urgência solicitadas e concedidas também aumentou. (Veja mais abaixo).

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública ressalta que, assim como ocorreu em outros países, embora tenha ocorrido queda nos registros, “sabia-se que a violência contra a mulher estava aumentando de forma silenciosa e era preciso agir rápido” durante o período da pandemia da Covid-19, uma vez que o período fez com que mulheres em situação de violência ficassem ainda mais vulneráveis.

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Nesse contexto, as três pesquisadoras citam como positiva a ampliação dos tipos penais que podem ser denunciados via Boletim de Ocorrência online, iniciativa feita por praticamente todas as Unidades da Federação. A medida permitiu em alguns estados, pela primeira vez, o registro de violência doméstica sem precisar ir até uma delegacia, bastando acesso à internet.

“Campanhas de denúncia da violência doméstica em farmácias e supermercados, dentro da lógica da Campanha Sinal Vermelho, idealizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pelo Conselho Nacional da Justiça (CNJ), foram outra ação de repercussão em âmbito nacional”, mencionam.

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Queda de homicídios de mulheres

Os dados do anuário também mostram que houve queda no número de homicídios de mulheres. A taxa por 100 mil, entre os dois anos foi de 3,7% para 3,6%, uma variação de -3,8%.

A informação é importante porque, como ressalta o Anuário, há um desafio na caracterização do crime de feminicídio no Brasil, uma vez que fica a critério do servidor definir trata-se de um homicídio ou se a mulher foi morta em razão do seu gênero.

Para ilustrar essa dificuldade, o Fórum aponta a variação dos crimes de feminicídio em relação aos crimes de homicídio de mulheres em diferentes estados brasileiros.

No Ceará, por exemplo, somente 9,1% dos crimes de homicídio contra mulheres são feminicídios. No Tocantins, por outro lado, a proporção é de 55,3% e no Distrito Federal de 58,1%. No Brasil, a taxa de 2021 foi de 34,6%.

“Percebemos que as autoridades policiais possuem mais facilidade em classificar um homicídio de uma mulher enquanto feminicídio, quando este ocorre no contexto doméstico, com indícios de autoria conhecida: o companheiro ou ex-companheiro”, explica o Anuário.

Em suma, os dados indicam que uma mulher é vítima de feminicídio a cada 7 horas, o que significa dizer que, ao menos 3 mulheres morrem por dia no Brasil por serem mulheres.

Apesar das reduções, os dados das secretarias de segurança pública apontam um aumento nos números de tentativa de feminicídio no Brasil. A taxa por 100 mil mulheres passou de 2,6%, em 2020, para 2,7% em 2021, um avanço de 3,8%. As informações de São Paulo, maior estado do Brasil, não estavam disponíveis nesta métrica. Segundo as três pesquisadoras, ocorreram “mudanças importantes na legislação brasileira” em 2021, com leis que ampliaram as possibilidades legais de proteção às mulheres.

Entre as mudanças na legislação estão:

Inclusão no código penal o crime de perseguição e aumento de pena para os casos de perseguição “contra mulher por razões da condição de sexo feminino”;

Inclusão de conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica, e instituição da Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher;

Definição do programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, alterando Código Penal para modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher;

Instituição da Política Nacional de Dados e Informações relacionadas à Violência contra as Mulheres;

Inclusão do Plano Nacional de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher na Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

Ao contrário das outras mortes violentas intencionais — categoria que corresponde às vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais —, o feminicídio em geral é cometido por alguém que a vítima conhece, principalmente parceiros ou ex-parceiros.

Casos como o da influenciadora digital Bruna Quirino, morta a facadas pelo marido em um apartamento no bairro Ribeiro, em Valinhos (SP), em maio de 2021. O homem, que ainda tentou atacar a filha do casal, se matou em seguida.

Feminicídio

Companheiro ou ex-companheiro: 81,7%

Desconhecido: 3,8%

Outros: 14,4%

Demais Mortes Violentas Intencionais

Companheiro ou ex-companheiro: 3,1%

Desconhecido: 82,7%

Outros: 14,3%

O Anuário também aponta que o principal instrumento empregado nos feminicídios são armas brancas (50%), seguido de armas de fogo (29,2%). As proporções diferem das dos demais homicídios contra mulheres, que tem a arma de fogo (65%) como principal instrumento, seguido pela arma branca (22,1%).

De acordo com as pesquisadoras do Fórum, estudos mostram que a existência de arma de fogo na residência aumenta o risco de a mulher em situação de violência doméstica ser morta por seu parceiro. Além disso, uma pesquisa conduzida nos EUA indicou que, nas residências de mulheres que sofriam violência doméstica recorrentemente, a existência de arma de fogo era 20% superior à média, o que, segundo o Fórum, amplia significativamente o risco dessa mulher ser morta.

“Este achado nos alerta para o risco de crescimento dos feminicídios com as mudanças promovidas pelo Governo Federal na legislação de controle de armas, cada vez mais permissiva e que resultou na ampliação drástica do número de civis armados”, afirmam as integrantes do FBSP.

A pesquisa aponta ainda que a maior parte dos feminicídios ocorre dentro da residência da mulher (65,6%), porcentagem que cai para 32,1% quando observados as demais mortes violências intencionais — a maior parte desses crimes ocorre em vias públicas (37%).

Outras violências crescem

Os dados do Anuário apontam que o número de chamadas ao 190 para denúncia de crimes caiu 5,3% entre 2020 e 2021 — passou de 44.270.615 para 41.938.476. Na contramão desses dados, as chamadas sobre violência doméstica cresceram 4%, de 595.705 para 619.353.

“O que sabe-se é que mais pessoas têm procurado as instituições policiais em busca de ajuda, o que pode indicar que as mulheres têm sofrido mais violência ou que as pessoas estão menos tolerantes às violências cometidas contra a mulher no âmbito doméstico, já que a ligação para a emergência não precisa ser feita pela vítima, pode ser um vizinho, familiar, amigo”, explica o Anuário.

“O aumento das chamadas de emergência especificamente para situações que envolvem violência doméstica é um sinal de que as polícias militares dos estados estão sendo cada vez mais demandadas a atuarem nesses casos ou, ao menos, a prestarem um atendimento inicial. O que reforça a importância de não apenas os efetivos das unidades especializadas no atendimento às mulheres em situação de violência, mas todo o efetivo policial estar sensibilizado e capacitado para atender essas mulheres”, afirmam as três pesquisadoras.

Outras violências contra mulher que registraram crescimento entre 2020 e 2021 foram: (taxa por 100 mil mulheres)

Denúncias de lesão corporal dolosa: 0,6% — de 119,4 para 231,7

Ameaça: 3,3% — de 530,7 para 548

Estupro: 3,7% — de 46,7 para 48,4

Assédio sexual: (6,6%) — de 2,2 para 2,3

Importunação sexual: 17,8% — de 7,6 para 9

Medidas protetivas concedidas: 13,6% — de 299 para 399,5

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